quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Vozes d´África

Vozes d'África
(Castro Alves)

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?

Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
- Infinito: galé! ...

Por abutre - me deste o sol candente,
E a terra de Suez - foi a corrente
Que me ligaste ao pé...
O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino
E morre no areal.

Minha garupa sangra, a dor poreja,
Quando o chicote do simoun dardeja
O teu braço eternal.
Minhas irmãs são belas, são ditosas...
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão.

Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas plagas do Hindustão.

Por tenda tem os cimos do Himalaia...
Ganges amoroso beija a praia
Coberta de corais ...
A brisa de Misora o céu inflama;

E ela dorme nos templos do Deus Brama,
- Pagodes colossais...
A Europa é sempre Europa, a gloriosa! ...
A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortesã.

Artista - corta o mármor de Carrara;
Poetisa - tange os hinos de Ferrara,
No glorioso afã! ...
Sempre a láurea lhe cabe no litígio...
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio
Enflora-lhe a cerviz.
Universo após ela - doudo amante
Segue cativo o passo delirante
Da grande meretriz.


Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente;
talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão...
E nem tenho uma sombra de floresta...
Para cobrir-me nem um templo resta
No solo abrasador...
Quando subo às Pirâmides do Egito
Embalde aos quatro céus chorando grito:

"Abriga-me, Senhor!..."

Como o profeta em cinza a fronte envolve,
Velo a cabeça no areal que volve
O siroco feroz...
Quando eu passo no Saara amortalhada...
Ai! dizem: "Lá vai África embuçada
No seu branco albornoz. . . "
Nem vêem que o deserto é meu sudário,
Que o silêncio campeia solitário
Por sobre o peito meu.

Lá no solo onde o cardo apenas medra
Boceja a Esfinge colossal de pedra
Fitando o morno céu.
De Tebas nas colunas derrocadas
As cegonhas espiam debruçadas
O horizonte sem fim ...
Onde branqueia a caravana errante,
E o camelo monótono, arquejante
Que desce de Efraim

Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!

Foi depois do dilúvio... um viadante,
Negro, sombrio, pálido, arquejante,
Descia do Arará...
E eu disse ao peregrino fulminado:
"Cão! ... serás meu esposo bem-amado...

- Serei tua Eloá. . . "

Desde este dia o vento da desgraça
Por meus cabelos ululando passa
O anátema cruel.
As tribos erram do areal nas vagas,
E o Nômada faminto corta as plagas
No rápido corcel.
Vi a ciência desertar do Egito...
Vi meu povo seguir - Judeu maldito -
Trilho de perdição.
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras d'Europa - arrebatada -
Amestrado falcão! ...

Cristo! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos - alimária do universo,
Eu - pasto universal...

Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.

Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito...
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...

Essas coisas de criação é para os fracos e covardes. Só criam e deixam de viver, tudo por medo de uma topada que podem dar no meio do caminho.
É por isso que eu digo e repito, todo artista é medroso...assim como Deus.
Eu aprendi com Deus que as estrelas são pervessas. Sim, pois elas brilham demais e se atrevem a nos confundir com sua beleza falsa de brilho.
São enormes latas redondas com purpurinas que se sustentam por um fio de brilho no meio do espaço. Será possível!?
Depois de ter aprendido isso eu passei a temer as estrelas. Não as conto para não ter verrugas e nem as olho para não ficar cego. De cegueira basta a minha.
Estrelas não prestam, e a última que tentou se engraçar com a humanidade, acabou sendo expulsa do firmamento. Justo a mais bela, a mais inteligente, a que anunciava a manhã de todos os dias. A estrela da manhã vive hoje longe de nós e de seu Deus.
Eu ainda acho que essa história de que ela só quer o mal da humanidade pe mentira, mas há quem diga que não...O que é de verdade e não mentira é que ela vive só, esperando um fio de brilho que a conceba o perdão divino para que ela possa voltar a brilhar nos princípios dos dias.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Se a vida é amiga da arte, quem é amiga da vida?
No início era o verbo, e o espírito de Deus pairava sobe as águas. Mas não pairava só, não podia ser só. Quem mergulhado em solidão criaria tanta beleza e dor?
Deus tinha uma companhia. Uma mulher, um homem, um parceiro, uma metade. Não metade de Deus, é claro(Pois este, sendo divino, é indivisível). Mas a metade de algo que não existia, e que talvez ainda não exista. Algo que não completasse e nem faltasse a Deus. Apenas uma metade.
De súbito o senhor dos céus se viu coberto de paixão e pavor pela meia presença. Do susto divino a humanidade surgiu, como sangue que jorra para fora de uma ferida.
Ao contemplar os resultados do espanto de Deus a metade resolveu se abrigar nos braços dos homens. Onde permanece imóvel e quentinha até hoje. Feliz por se sentir humana.
A humanidade só conhece o caminho da queda, do esquecimento e da tristeza justo porque depois de ser traído, Deus, resolveu inciar a destruição da sua criação acidental. Lá de cima ou lá de baixo ele sacode os pilares do universo, esquecendo seus poderes divinos. Vaga apenas em busca da metade fugida, a que deu origem a tudo. Metade de toda a beleza, de toda dor, de todo o castigo.