quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A morte não tem pressa e nem é urgente. Sabe ela que tudo tem sua hora e que ninguém morre de véspera.
Mas meu pai quis ir logo. A morte se sentiu um pouco sem graça de alguém afrontá-la daquela forma, mas, não discutiu e aceitou o pedido dele.
É que a morte percebeu que era um sacrifício, um de amor, algo grande mesmo. Ela percebeu que ele queria ir para que seu filho pudesse começar a conhecê-lo; coisa que com ele vivo seria impossível, já que ele teimava em se esconder sem querer.
A morte levou o pedido do meu pai bem a sério, e percebeu, já faz um tempo, que no fundo, no fundo, estava na hora dele ir.

Traduzir-se


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar

Seu Olhar

Seu Olhar

Foi na madugrada fria
que reparei:
do incêndio, da alegria,
eu já não sei.

Madrugada, ainda há fumaça,
cinzas no ar-
e um vazio no seu olhar!

Madrugada, e em todo canto
mostra-se a dor:
essa luz que invade a sala
é o fim do amor.

Madrugada, e, mesmo agora,
queria ver
o segredo que eu sabia
ver em você

Esse espelho que não quebra,
pra nosso azar,
só guardou a madrugada
desse lugar

Sei da hora, é madrugada
mas quis cantar
o abandono, o silêncio
do seu olhar.

Luiz Henrique da Costa

Queria

Queria

Queria que você quisesse,
que você tivesse aquilo que me falta;
queria a alegria e o fogo,
na cama, no corte dessa noite alta.

Mas você não tem, nem quer,
meu bem, meu mal-me-quer,
você não quer, não tem.

Chega a madrugada
e eu volto ao mesmo dia,
aqui, nesse lugar:
tudo vazio no seu olhar

Tua fome não sacia a minha fome,
Tua boca ficou fria.
Queria que a minha sede fosse a tua
e a tua febre fosse a minha

Mas você não quer comer,
você não quer beber,
prefere ficar sem;
não, você não quer suar,
você não quer se dar,
você não quer ninguém.

Queri que você ficasse,
que você se fosse, de uma vez, para sempre.
Vocênão fica e não vai,
não desocupa a moita,
mas não me quer mais.

E se você não quer, não tem;
eu quero outro alguém:
o amor é coisa urgente.
Se você não me quer mais, se afaste,
que pra mim já deu,
pra mim, agora, basta.


Luiz Henrique da Costa

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Da cadeira de balanço, ela, toda velha, observou o primeiro raio de sol se esconder por trás da cortina puída. Vendo isso, olhou para o lado e percebeu que seu jasmim estava morrendo junto com ela. Estava na hora.
Papai sempre foi muito difícil. Uma dificuldade desconhecida, daquelas que pesquisadores ainda não conseguem entender. O ser-difícil dele foi transformando as pessoas que viviam junto dele, principalmente a pessoa que me pertence. Depois que conheci meu pai, como pai, decidi que não queria mais ter uma figura paterna; e esse desejo não se fazia por conta de castigos absurdos ou opiniões contraditórias, mas se fez pelo fato de que, na minha cabeça, filho não deve ter medo de pai. Eu tinha.
O medo que sentia do meu pai era algo grande, maior que o próprio Luiz. Nunca consegui superar aquele medo, só substituí por uma raiva. A raiva foi crescendo dentro de mim com o passar da poeira, veio lenta de início e quando eu percebi ela já tinha sobrepujado a grandeza do medo.
A raiva me fez viver um pai por obrigações: Ligava por obrigação, elogiava por obrigação, tudo me era obrigado, nada por prazer. Eu entendia que ele tinha lá seus problemas, mas ao invés de ajudar eu preferi viver por mais um tempo com a minha raiva, minha dor, meu medo, meu rancor...
De alguma forma papai criou uma ligação entre nós, mesmo deixando claro que eu era o menos querido. Essa ligação me fez perceber, e na hora certa, que estava chegando o momento em que ele precisaria partir para o Nosso Lar, debaixo da terra, Céu, Inferno, Paraíso, Nirvana, ou qualquer lugar do gênero. Eu sabia que ele tinha que morrer, tava na hora mesmo, senti com a mesma certeza que sinto que irei morrer antes de minha mãe.
Não entendo ainda a morte de papai, é complicado porque a diferença entre a distância dele e a morte são poucas. Ele sempre foi um pai de outro mundo, nunca próximo. Seu morrer só concretizou sua lonjura.
Depois que ele morreu não senti culpa, nem a raiva, nem o medo, nem mais nada. Só entendi que crescia uma pena enorme dentro de mim, uma pena boa, uma pena que iria consolar papai onde quer que ele fosse. A pena já deve estar com ele a essa altura...
Felicidade eu realmente só encontrei em horinhas que ele se descuidava, quando vivo; porque hoje sinto uma felicidade libertadora quase que culpada, por ter sido conquistada após a morte do meu quase e inteiro pai.
Já chorei tudo que tinha de chorar por todos os envolvidos no crime limpo suicída que foi a morte de papai. Já chorei demais. Agora só resolvi ficar cansado de sentir raiva ou medo das pessoas, é que realmente cansa. Agora a gente perdoa os erros e principalmente os acertos. Só entendi essa questão do perdão como substituição dos sentimentos que cansam, depois que soube que meu pai morreu sentindo orgulho de mim. Em sua última leitura, papai lia um artigo meu, só meu. Não conseguiu ler tudo e pediu para o irmão ler enquanto ele chorava de felicidade para esquecer a dor. O orgulho que eu sempre desejei ter no meio da minha imensa raiva, só veio depois de sua morte.
É que apesar dos pesares, por tudo que meu pai foi e fez, eu sempre quis, e continuo querendo, ser tão genial quanto ele. É que saber ser-difícil é coisa dos grandes...

sábado, 18 de dezembro de 2010

No momento em que escrevo isso as lágrimas cismam em me atrapalhar e não consigo pensar direito no que responder...

Apesar de muitas brigas e de todo o afastamento eu não consigo parar de pensar em você e de lembrar das vezes em que eu pedia para sairmos só nós dois para passear. Não consigo deixar de lembrar de algumas noites que ficavamos discutindo sobre tudo, letras de música, política, história. E choro ainda mais quando lembro que o homem que eu adimiro tanto e sempre quis ser, está longe de mim. Aquele homem que me fazia sorrir igual a um bobo, porque sabia de todos os segredos que a vida me escondia.

Não quero pensar em você como alguém ausente, como alguém distante, porque eu entendo os seus motivos e sei que no momento é melhor assim. Fico triste muitas vezes em saber que meu pai está sozinho e me vem uma vontade louca de sair correndo e ficar com ele. Não podia fazer isso, mas agora eu posso.

Eu ainda vejo os dias em que você brigava comigo, os dias em que você e o Ângelo me sacaneavam, o dia em que a gente tomava café juntos... Você é o homem que me ensinou a gostar de Caetano, Elza, Bethânia. O homem que me apresentou a esses deuses. E eu não posso ouvi-los sem lembrar de você, sem lembrar do "homem velho".

Não quero que isso seja assim, não precisa ser assim. Logo que eu resolver e fechar as minhas notas eu dou uma passada por aí.

Por favor, mande notícias.

Muitos beijos e abraços do seu filho que te ama muito, muito, muito.

Camilo Martins

PS: Não vou reler para corrigir os erros, se não eu choro de novo.

Em 19/11/2009 02:14, Luiz Henrique da Costa <> escreveu:


Lulo, meu amor,

vi o recado e o depoimento que deixou pra mim no Orkut, mas quis responder por e-mail pra não deixar à vista de todo mundo. E estou respondendo com cópia pro Milo porque o que tenho a dizer vale pra os dois.

Não sei como fazer pra dar uma idéia do tamanho da saudade que sinto de vocês. Não é uma saudade só de ver, é de viver com vocês, de ver todo dia, o dia todo; de saber como foram na escola, na brincadeira, no passeio; é saudade de ir à escola com vocês, de levar, de ir buscar, de passear junto, até de brigar de vez em quando; é saudade de ver vocês crescendo, de ver que iam crescendo junto de mim e que eu ia envelhecendo sendo seu pai; saudade de contar histórias à noite, de ler pra vocês e de brincar com vocês antes de dormirem; saudade de fazer comidinhas, de preparar lanchinhos básicos, de cantarmos juntos, de poder mostrar discos e canções pra vocês; é saudade de tudo. Amo vocês mais do que tudo e mais do que todos no mundo, e sempre foi muito doído ir até aí pra ficar só um pouquinho. Doía muito, mas eu ia assim mesmo, e dava um jeito de disfarçar a tristeza na hora de vir embora. Mas ultimamente ficou pior. Começou a ficar mais difícil disfarçar a tristeza e a insatisfação com a distância entre nós, e algumas coisas entre mim e sua mãe começaram a ficar ainda mais difíceis do que já eram. Daí que eu sumi por um tempo. E acho que vou continuar sumido enquanto as coisas não melhorarem, enquanto eu não me sentir melhor, enquanto eu não puder, pelo menos, ter um lugar onde ficar quando estiver no Rio -- um lugar onde eu possa ficar com vocês, se quiserem, se puderem ficar comigo.

Mas meu sumiço não é falta de amor, não, viu? Não é mesmo. Muito pelo contrário.

Beijo,

Luiz Henrique da Costa

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Vozes d´África

Vozes d'África
(Castro Alves)

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes?
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?

Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito...
Onde estás, Senhor Deus?...

Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
- Infinito: galé! ...

Por abutre - me deste o sol candente,
E a terra de Suez - foi a corrente
Que me ligaste ao pé...
O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino
E morre no areal.

Minha garupa sangra, a dor poreja,
Quando o chicote do simoun dardeja
O teu braço eternal.
Minhas irmãs são belas, são ditosas...
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão.

Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas plagas do Hindustão.

Por tenda tem os cimos do Himalaia...
Ganges amoroso beija a praia
Coberta de corais ...
A brisa de Misora o céu inflama;

E ela dorme nos templos do Deus Brama,
- Pagodes colossais...
A Europa é sempre Europa, a gloriosa! ...
A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortesã.

Artista - corta o mármor de Carrara;
Poetisa - tange os hinos de Ferrara,
No glorioso afã! ...
Sempre a láurea lhe cabe no litígio...
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio
Enflora-lhe a cerviz.
Universo após ela - doudo amante
Segue cativo o passo delirante
Da grande meretriz.


Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente;
talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão...
E nem tenho uma sombra de floresta...
Para cobrir-me nem um templo resta
No solo abrasador...
Quando subo às Pirâmides do Egito
Embalde aos quatro céus chorando grito:

"Abriga-me, Senhor!..."

Como o profeta em cinza a fronte envolve,
Velo a cabeça no areal que volve
O siroco feroz...
Quando eu passo no Saara amortalhada...
Ai! dizem: "Lá vai África embuçada
No seu branco albornoz. . . "
Nem vêem que o deserto é meu sudário,
Que o silêncio campeia solitário
Por sobre o peito meu.

Lá no solo onde o cardo apenas medra
Boceja a Esfinge colossal de pedra
Fitando o morno céu.
De Tebas nas colunas derrocadas
As cegonhas espiam debruçadas
O horizonte sem fim ...
Onde branqueia a caravana errante,
E o camelo monótono, arquejante
Que desce de Efraim

Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor?...
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador?!

Foi depois do dilúvio... um viadante,
Negro, sombrio, pálido, arquejante,
Descia do Arará...
E eu disse ao peregrino fulminado:
"Cão! ... serás meu esposo bem-amado...

- Serei tua Eloá. . . "

Desde este dia o vento da desgraça
Por meus cabelos ululando passa
O anátema cruel.
As tribos erram do areal nas vagas,
E o Nômada faminto corta as plagas
No rápido corcel.
Vi a ciência desertar do Egito...
Vi meu povo seguir - Judeu maldito -
Trilho de perdição.
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras d'Europa - arrebatada -
Amestrado falcão! ...

Cristo! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos - alimária do universo,
Eu - pasto universal...

Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.

Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito...
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...

Essas coisas de criação é para os fracos e covardes. Só criam e deixam de viver, tudo por medo de uma topada que podem dar no meio do caminho.
É por isso que eu digo e repito, todo artista é medroso...assim como Deus.
Eu aprendi com Deus que as estrelas são pervessas. Sim, pois elas brilham demais e se atrevem a nos confundir com sua beleza falsa de brilho.
São enormes latas redondas com purpurinas que se sustentam por um fio de brilho no meio do espaço. Será possível!?
Depois de ter aprendido isso eu passei a temer as estrelas. Não as conto para não ter verrugas e nem as olho para não ficar cego. De cegueira basta a minha.
Estrelas não prestam, e a última que tentou se engraçar com a humanidade, acabou sendo expulsa do firmamento. Justo a mais bela, a mais inteligente, a que anunciava a manhã de todos os dias. A estrela da manhã vive hoje longe de nós e de seu Deus.
Eu ainda acho que essa história de que ela só quer o mal da humanidade pe mentira, mas há quem diga que não...O que é de verdade e não mentira é que ela vive só, esperando um fio de brilho que a conceba o perdão divino para que ela possa voltar a brilhar nos princípios dos dias.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Se a vida é amiga da arte, quem é amiga da vida?
No início era o verbo, e o espírito de Deus pairava sobe as águas. Mas não pairava só, não podia ser só. Quem mergulhado em solidão criaria tanta beleza e dor?
Deus tinha uma companhia. Uma mulher, um homem, um parceiro, uma metade. Não metade de Deus, é claro(Pois este, sendo divino, é indivisível). Mas a metade de algo que não existia, e que talvez ainda não exista. Algo que não completasse e nem faltasse a Deus. Apenas uma metade.
De súbito o senhor dos céus se viu coberto de paixão e pavor pela meia presença. Do susto divino a humanidade surgiu, como sangue que jorra para fora de uma ferida.
Ao contemplar os resultados do espanto de Deus a metade resolveu se abrigar nos braços dos homens. Onde permanece imóvel e quentinha até hoje. Feliz por se sentir humana.
A humanidade só conhece o caminho da queda, do esquecimento e da tristeza justo porque depois de ser traído, Deus, resolveu inciar a destruição da sua criação acidental. Lá de cima ou lá de baixo ele sacode os pilares do universo, esquecendo seus poderes divinos. Vaga apenas em busca da metade fugida, a que deu origem a tudo. Metade de toda a beleza, de toda dor, de todo o castigo.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Rio de Janeiro, em janeiro de 1990


Gina, preposição dos meus dias:

Veio em boa hora a tua carta. Já a minha, mais atrasada, porque minha, só agora: papel de assuntos acumulados, com um cheiro falso de pergaminho; de fantasmas, talvez.
Desde a tua que te escrevo e escrevo outras cartas, de memória. Esta é o que são todas elas, misturadas e difíceis de desembaralhar.
O caso é que eu sou burro e lerdo pra entender todas as coisas que você sabe e tenta me fazer aprender sem me ensinar. Eu tenho perguntado, pedido conselhos, mas todos dizem: "Ah, o amor não; não me comprometa; não sei de nada, etc". E sigo sozinho, ignorante, com vontade de me destruir e fazer outro que nos agrade a ambos. Por iss mesmo, digo logo que não se assuste: toda paixão é invejosa, é tenebrosa. Eu te dou a mesma moeda: o amor é cego e a cegueira é surda como um porta, que, de tão, ninguém vende, ninguém troca nem empresta. O amor: nosso presente. Que presente eu te dou?
Continuo te estranhando o jeito de não me falar das coisas. Eu te falo(não falo): Eu te dou a mesma moeda, diferente: a moeda que te dou é minha, e é a mesma que também você me dá, só tua.
Numa das vezes em que escrevia uma carta, essa, outra, larguei-a, fui ver TV e depois dormi. Na TV, assisti a um filme sobre a tragédia de Lady Jane e seu marido, reis da Inglaterra durante nove dias, jovens apaixonados e ingênuos, decapitados; noutro, a paixão de Judy Garland e Gene Kelly, num filme dos anos 40, em technicolor, com happy end, etc; noutro ainda, a paixão incontrolável entre um capitão autríaco e uma noviça, preceptora de seus sete filhos. Tudo lindo, necessário e inútil. Tão necessário e linda quanto todas as canções de amor que qualquer homem já cantou sobre a terra. Tão inútil quanto. Suspeito que a canção possível ao amor nosso de cada dia deve vir de mim e de você, que somos assim e assado, que aprendemos tais canções e vimos tais filmes. Etc.
No começo era o verbo. E tudo, tão no começo, parecia tão óbvio, que era bastante fácil encontrar palavras, ou inventá-las; ou, quem sabe, as palavras nos inventam, e dizíamos: o amor, etc, etc. Hoje, preciso falar pra você de uma moeda, de uma outra que é minha, de uma terceira, que é tua, pra dizer que é ainda outra, que também não tem nome. E isso, faço pensando num jeito de falar(de um jeito que nem se fale), com a certeza mais pura; tão pura como no começo, de verbo, de silêncio, de não sei que outra palavra( que também não me basta), com a certeza de que, para além da dúvida que há, há o meu amor e o teu, que vêm de mim de você, de você de mim.
A minha história, a tua, a de todas as pessoas que já viveram, paira sobre tudo. Falo de uma moeda, já disse, pra dizer que não se empresta, não se vende, não se. Moedas não valem nada, afinal.
Mas sim, tua carta é legível; bem mais que esta. E algo que eu supus ter dito já, de outras formas, quero te dizer agora por escrito( a carta está assinada-vá, talvez, a alguma cartório, e registre; mande publicar nalgum jornal): Eu te amo, mesmo quando nem penso em você, mesmo quando tenho fome ou dor de cabeça. Mesmo quando estou cansado demais para o mais mínimo gesto de amor, eu te amo como jamais a outra pessoa. Eu te amo, enorme, gigantesca, amor preposto em carne, espírito e coisas outras que não sei o nome.
Não gosto, porém, de achar que é necessário fazer juras de amor eterno todos os dias; não quero que as juras nos sustentem: Há muito tempo não é mais a fé que leva os crentes a se voltarem a Meca, todos os dias, às seis da tarde, em gestos vãos como dar bom dia. Deus não serve pra nada- não falamos, ninguém fala a mesma língua. Ninguém fala. E o verbo, carne do desejo de quem diz, é vão em orações e preces; em juras de amor. Deus está morto em palavra. E na sua observância impaciente assiste incrédulo às tentativas que fazemos, ainda hoje, na mesma Torre de Babel. Deus está morto, como estamos, uns parcos bilhões de seres, divindades parcas, presos no emaranhado de umas poucas palavras que não deixam mentir: estamos sós. Toda solidão é involuntária. E nós, aos pares, aos bandos, estamos absolutamente sós. Dá-me o prazer desta contradança, desta contradanação?
De, por, para,


Luiz Henrique

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Os doces e seu menino

No caminho que leva à loja de doces
Um menino caminha chutando pedrinhas.
Sabe bem da grandeza do caminho
E bem por isso caminha sozinho.

Enquanto as pedras chutadas forçam lembranças,
De um passado-futuro,
O menino se adimira e se cansa,
Com as imagens do presente no escuro.

Próximo ao meio do fim do caminho
O pequeno já não se vê sozinho.
Segue ladeado por outros pequenos
Que assim como ele
Também são meninos.

Quando chega à porta da loja,
Nossa criança se excita e se toca:
Que suas lembranças já estão quase mortas,
E seus doces açúcares estão caminhando
(também sozinhos)
Por outra estrada torta.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Infância

Se eu tivesse uma pedrinha
Eu botava ela no caminho.
A deixava miudinha
Pro chão não ficar sozinho.

Se eu tivesse uma folinha
Eu cobria os olhos dele.
Para que ela, tão miudinha,
Não prendesse minhalma nele.

Se eu tivesse uma gotinha
Eu a fingia de lágrima.
Pois como ela é miudinha
Limparia meus olhos dágua.

Se eu tivesse uma paixão
Iria guardar essas miudezas.
Porque tudo ficaria grandão
E aumentariam as incertezas.


Para o príncipe encantado, o namorado eterno sem namoro: André.

sábado, 25 de setembro de 2010

Lágrimas Negras(e/ou)Por parte de pai

Com os olhos úmidos,
de lágrimas,
Ela virou e quase gritou.
Mas um grito surdo.
Chorado mesmo:
É muito triste saber que ele não existe mais.

A existência do não existir ainda é difícil
Para o homem, para mim, para minha mãe...
E para o único protagonista da história.
Aquele que ainda tem medo da imortalidade criada.

Ela ficou triste pelas férias da existência.
Eu fiquei magoado com a mentira do Mautner.
É que no caixão,
Os poços de petróleo de meu pai,
Não tinham mais luz. Nem mesmo a negra.



"São poços de petróleo/ A luz negra dos seus olhos"

sábado, 18 de setembro de 2010

Estrela da vida inteira

Manuel Bandeira achou a uma estrela.
Ele pegou essa estrela na mão.
Depois de muito olhar ele percebeu,
Que aquela era a estrela da vida inteira.

A estrela que eu achei pra me acompanhar,,
Igual aquela que Manuel usou,
Não é da vida inteira.
Porque ela cisma em me viver pela metade,
Não se doou por inteira até agora.

Não sei se essa estrela um dia será inteira pra mim.
[Ou pra ela
Não sei também se essa será minha estrela da vida inteira.
Mas por enquanto,
Enquanto não passa o próximo cometa.
Eu aceito viver pela metade com ela.

Toda vermelha



Quando criança, ninguém me assoprou no ouvido
Como fizeram com a Drika.
Quando criança eu ouvi uma história.
Quando criança eu contava:

Era uma vez um lago.
Mas um lago muito distante.
No meio desse lago tinha uma flor,
Uma flor rosa toda vermelha

Os ouvintes de mim quando criança
Riam,
Riam demais até eu não conseguir mais contar.
Não sei como a história termina.

Não sei aonde foi parar a flor...

O perfume




Chegara bem antes do combinado, sempre fazia assim. Não conseguia chegar muito perto do horário marcado, parecia que ele preferia se machucar olhando as horas passarem lentamente até chegar ao horário dos seus encontros.
Foi direto para a livraria, só lá ele encontrava um meio de amenizar sua agonia, sua angústia, sua ansiedade. Andou por todos os lados do espaço, vasculhou todas as estantes, folheou alguns livros bobos e riu das bobeiras que leu.
Chamou um atendente e perguntou sobre o primeiro título que veio na cabeça. Não queria ler, só precisava se distrair, enganar o seu coração, para que ele não gritasse tanto perguntando pelo outro. O atendente demorou muito para encontrar o livro, mas o achou.
Quando pegou no livro, só conseguiu ler um conto maravilhoso de Antonio Carlos Viana; porque, enquanto seus olhos mastigavam as letras, a sua cabeça imaginava coisas e seu coração perturbava com perguntas: Será que ele vai gostar da gente? Será que ele é bonito mesmo? E se ele não vier? Olhe a hora, ele não vem mais, pode apostar.
Segurou-se para não gritar, se não chamaria a atenção dos clientes e assustaria os livros. Fechou o livro e ficou andando por ali tentando afastar as imagens inventadas e as perguntas bestas. Não conseguiu.
O celular tocou uma vez, e com as mãos tremendo conseguiu atender. Era ele, dizendo que chegaria logo. Puxa, ele iria, não tinha mentido. Para sua surpresa, as perguntas aumentaram e as imagens voltaram com toda a força, não queriam se acalmar.
Precisou comprar uma água para relaxar, estava tenso demais, não conseguia se conter. Bebeu a água em um gole só, e mesmo assim ainda estava nervoso. O horário estava estourando ele ainda não tinha aparecido.
Enquanto olhava para além do vidro da porta, passou perto dele um rosto conhecido, ele então virou-se para ver se era mesmo ele, mas pensou que era só mais uma besteira criada pela sua cabeça. Ignorou. Insistiu com a imagem e olhou de novo; sim era ele. Sua cabeça não mentia tanto assim. Sorriu involuntariamente, e seu sangue pareceu ferver de alegria quando pode abraçar aquele corpo.
Era tão lindo, tão doce, tão tímido, tão cheiroso. Não poderia estar ali, não com ele. Sentiu uma vontade enorme de beijá-lo na frente de todos, mas conteve-se, sentiu uma vontade enorme de apertar sua mão, mas conteve-se, queria sentir melhor o seu cheiro, mas conteve-se.
Enquanto a história se apresentava para os dois, ele só pensava em olhar para aquele rosto que sustentava duas lentes que brilhavam no escuro. De vez em quando puxava assunto, não por educação, mas para poder ouvir a voz dele mais um pouquinho. Só para ter certeza de que estava do lado dele, com ele, ouvindo ele, só ele. Não conseguia sentir mais nada, além do perfume maravilhoso que aquele corpo exalava. Parecia querer provocar.
A história terminou mal, e no fim só conseguiu alguns toques dele. Mas ao se despedirem, ele deixou um presente. Deixou com que ele ficasse para sempre, com a lembrança do seu cheiro.

Feliz natal



Na casa de dona Maria estava uma correria só. Seus filhos e netos não paravam de ir de um lado ao outro, enlouquecidos com os preparativos do natal. Dona Maria nem conseguia pensar em nada, o ensopado estava tomando conta de toda a sua atenção; aquele vapor que vinha da panela a estimulava a mexer mais e mais, como se seu o braço fosse uma máquina. A panela de dona Maria já estava meio velha, mas o ensopado do natal não poderia ser em outra panela, tinha de ser naquela, que já estava amassada de tanta lembrança. Naquele momento Maria mexia não só o ensopado, mas como suas memórias, guardadas há trinta anos. E talvez seja por causa dessa mistura que Maria não conseguira pensar em mais nada, já não conseguia mais distinguir uma lembrança da outra, estava tudo igual dentro da panela.
Depois que estava tudo quase pronto e as crianças corriam ansiosas com o brilho mágico que vinha dos embrulhos proibidos de presente; dona Maria mandou todos se sentarem a mesa, por os talheres, o peru, seu ensopado e suas lembranças na mesa. Depois que seus filhos e netos ocuparam a mesa, todos perceberam que um lugar estava vago. Nesse momento começou um burburinho e dona Maria permaneceu quieta e elegante. Derramou algumas lágrimas, mas não movia um músculo sequer.
O marido de dona Maria tinha morrido no ano passado, e todos os filhos tomaram um enorme cuidado para não pregar essa peça na pobre senhora. A peça de deixar um lugar vago como se Jorge fosse beber e comer novamente com sua família. Como se ele estivesse ali para rir. Como se eles estivesse ali para contar piada. Como se ele estivesse ali para comer o ensopado.
A filha mais velha foi então pegar um remédio na vizinha para baixar a pressão da mãe. A dona Lurdes atendeu a porta com um sorriso maravilhoso e não reclamou em ceder um de seus comprimidos. A vizinha fechou a porta e voltou para a sua ceia em família. Quer dizer, ceia entre amigos. Todo ano era assim: Lurdes só chamava para cear os seus amigos de anos, e era naquele momento feliz em que eles contavam tudo um para o outro. Todos os segredos iam embora antes da sobremesa. Esqueciam a idade que tinham e agiam como um clube secreto da época de criança de cada um.
Sem tirar o seu lindo sorriso do rosto, dona Lurdes disse que ia até o banheiro bem rapidinho e já voltava. Deixou então, os seus amigos na sala e foi até o banheiro. Lurdes lavou o rosto, lavou a mão e secou tudo com muito zelo, depois olhou para o espelho e viu o seu lindo sorriso refletido. Naquele momento ela lembrou do quanto a sua vida era desinteressante, do quanto já mentira para seus amigos naquele momento solene, só para ver se assim fazia com que a sua vida parecesse mais bonita. Não que ela mentisse ou exagerasse, mas por uma corzinha em um relato sobre compras, sobre viagens, sobre espetáculos, não fazia mal a ninguém. Ou fazia? Era isso que incomodava a pobre Lurdes, ter de mentir para quem não precisava disso. Aquele sorriso foi então minguando, minguando, minguando, até que se transformou em choro, um choro maior que o de dona Maria. Um choro quieto, mas um choro forte, um choro sofrido.
Enquanto Lurdes escondia mais um segredo em seu banheiro, o interfone tocava desesperadamente pedindo para ser atendido. Lurdes então se recompôs muito rápido e saiu com o seu sorriso maravilhoso no rosto para atender o interfone.
Do outro lado da linha falava dona Elsa, uma de suas amigas, dizendo que não poderia comparecer a ceia de dona Lurdes porque estava muito indisposta. Qual nada! Lurdes sabia que Elsa nunca aparecera a uma reunião de natal, sempre inventava alguma, sempre. Mas como sempre foi uma madame, dona Lurdes, lamentou horrores a ausência de dona Elsa e desligou o interfone desejando um bom natal.
Dona Elsa não fazia idéia do porque que ainda cismava em se justificar para Lurdes todo ano que não iria passar o natal com ela. Mas dane-se, Elsa já nem se preocupava mais com isso, ela estava começando com os seus preparativos, como todo ano. Pos na mesa a sua cadeira, abriu uma enorme caixa de bombons e abriu o seu melhor vinho. Olhou para o vinho e para os bombons e sorriu um pouco. Encheu uma taça, mergulhou um bombom no vinho, e o levou aos lábios com muita gula e luxúria. Lembrou-se então de suas amigas, daquelas pobres amigas. Soltou uma enorme gargalhada e abriu uma garrafa de cachaça, pos um pouco atrás da porta para o seu Exu e depois fez a mesma mistura que tinha feito com o vinho. E assim a noite se estendeu até seus bombons acabarem. Todos fadados a morte pela bebida de dona Elsa.
Quando deu três horas da manhã, Elsa levantou a sua taça no ar e desejou feliz natal a si mesma. Sempre estava feliz nesses momentos, sempre. Elsa não chorava nos natais por falta de família, ou por omitir segredos, não, não precisava disso. Elsa não precisava de ninguém, só de si, só do seu sorriso, dos seus momentos em paz. Não sentia falta de companhia porque nunca teve uma, então acabara se acostumando com a falta. E também não ligava para segredos, porque nunca se preocupara com o que os outros iam achar de sua vida, não usava máscaras, não. Mas ria à beça das máscaras das outras. Ria muito, até mesmo porque, o maior segredo de Lurdes, era a sua antiga paixão por ela; e antes de Jorge falecer, dormira com ele por quinze anos, bem debaixo do nariz de dona Maria. E sempre que o natal chegava, ela se deliciava com os segredos que tinha, com os que não tinha, com os bombons e com o seu vinho.
Depois de rir, e depois de chorar de tanto rir. Elsa se levantou, guardou as garrafas, comeu o último bombom e deu boa noite para o nada. Passou batom, pos o seu melhor vestido e deitou-se muito bem arrumada. Afinal, já era natal.

A culpa foi dele



Sentei-me na poltrona que outrora fora vermelha. Ahhh! E que vermelho lindo era aquele que cobria a poltrona, um vermelho vivo, sangue quente, tinta, vermelho como aquela boca que um dia beijei.
A janela estava aberta e a varanda se encontrava coberta por um manto de folhas secas, parecia um palácio decadente, uma morada saqueada, um templo que perdeu sua magia. Mas era assim que eu me sentia naquele lugar, naquela hora, ali.
Acendi um cigarro olhei um pouco para aquele fumo aceso, e ao sentir aquele cheiro, aquele cheiro de séculos, aquele cheiro de anos, aquele cheiro meu, que vinha do queimar do cigarro, ao sentir aquilo, senti nojo. Nojo de mim, do cigarro, das folhas, da poltrona, nojo.
Traguei um pouco do meu cigarro como se já não houvesse mais jeito e balancei um pouco o rolo de fumo em cima do cinzeiro, mas o fiz, sem a menor necessidade, simplesmente por fazer, por achar bonito, por me divertir com as cinzas que caiam leves e livres do cigarro, por rir à beça com os desenhos rebuscados e brincadeiras inteligentes que a fumaça fazia no ar.
Antes de voltar com o cigarro a boca, parei com ele no ar e olhei para fora da janela, para além da varanda, para dentro da janela do vizinho. Me levantei, fui até a varanda, ignorando a presença das folhas. Acho que as folhas devem ter ficado um pouco chateadas com a minha atitude, porque elas gritavam um estalar seco e sofrido sempre que meus pés as ignoravam.
Apaguei o cigarro na mureta da varanda, e lá o deixei. Passei os meus dedos por cima da mureta, como se quisesse pegar para mim, toda a poeira e cinzas que ele e o tempo haviam deixado para mim. Peguei a poeira em mãos, soprei um pouco e depois a fitei com muito ódio. Não sei que ódio eu sentia no momento, se era ódio de mim, dele, do que fiz, da poeira, do cigarro ou da poltrona. Mas sentia ódio, um ódio bom, um ódio quase perfeito que parecia trazer alguma felicidade após a morte dele.
Virei as costas para a mureta, para a janela vizinha, para a poeira e para os cigarros. Voltei para a sala e fiquei olhando para a velha poltrona como se a tal fosse uma coitada, uma pobrezinha abandonada pelo tempo.
Peguei um copo vazio na mesa de madeira, uma mesa antiga e muito bonita, que fora mesa de sítio, mesa de alegria, de festa, fartura e saudade. Olhei para o copo, e o pus contra a luz, para ver se estava sujo, enchi o copo com alguma coisa, não lembro o que. Enchi de nada.
Tomei um pouco daquela lembrança vazia, daquele esquecimento gordo, enchi a cara, fiquei bêbado de rancor, de ódio, de satisfação.
Eu amava aquele homem meu Deus, porque ele teve de ter feito aquilo comigo? Logo antes de morrer? Ele precisava mesmo ter se deleitado nas caricias de outro? Precisava sentir o calor de outro corpo? Precisava sorrir para outro rosto? Para outros olhos? Essa era verdade, a verdade que mais doía. Saber que ele se fora amando outro, deitando-se com outro, beijando outro. Saber que antes de morrer ele bebeu de outro corpo, saber que o café que ele tomou fora outro e não o meu, que o cigarro que ele fumou, fora outro e não o meu.
Não tinha como aceitar tudo aquilo, principalmente porque agora, a poltrona como em um gesto de revolta, me encarava com deboche, como se retribuísse o meu olhar de pena. Junto a ela o cigarro da mureta se virou contra mim e parecia gritar de ódio por eu tê-lo apagado na mureta, e também, junto a esse dois, o copo vibrava em minha mão, todos contra mim, uma revolta conjunta, uma revolução pelo o que fiz com eles.
Era mais fácil aceitar, acreditar, que os objetos renegados e abortados se revoltavam contra mim pelo o que fiz a eles. Mas não, não funcionava assim, eles se voltavam contra mim por outro motivo, um motivo bem maior, muito maior. Eles pediam vingança, pediam a minha cabeça em uma bandeja de prata, clamavam para que o corpo dele, daquele homem que o meu amor matou, fosse vingado. Pediam a todas as forças do universo, para que eu, fosse morto, como matei aquele que eu amava.

O mar




Cheguei na hora certa, bem no momento mais bonito do dia para nós dois, a hora crepuscular. Andava de vagar, aproveitando a areia que coçava o meu pé com o seu calor natural. Acho que naquela hora eu estava chorando, devia estar sim, mas agora, eu não lembro, não faço idéia do que escorria dos meu olhos.
Comecei olhando o mar, que surpreendentemente estava calmo naquele fim de tarde. Acho que o mar tinha serenado só por causa daquele acontecimento. No momento em que fitava o mar, a minha mão apertou fortemente a caixinha de madeira que trazia em mãos. Quase senti a madeira quebrar de tão vagabundo que era o material, mas não pude pegar outra caixinha, ele gostava muito dessa, gostava mesmo.
Parei no meio do caminho, olhei para os lados e vi aquela pedra, justo aquela pedra coberta de mato em que nós sentávamos para observar o sol se por. E ficávamos ali, até a hora que um de nós caísse no sono. Desviei o olhar para cima e chorei um pouco; sim, dessa vez eu realmente chorei.
Continuei andando até chegar à beira do mar, recuei quando vi que a água iria tocar meus pés, mas, no momento em que a água, a insistente onda tocou os meus pés, eu relaxei um pouco e me deixei levar por aquele fluxo tranqüilo e gelado.
Olhei para o mar, com um curioso olhar de pena, nem sei o porquê daquele olhar, mas ele simplesmente saiu de mim e encontrou as ondas. Nessa onda de pena que saia de mim, vi algo passar pelas águas, pensei que fosse um peixe vazio, ou uma garrafa nadando, mas não, era apenas um lembrança perdida; uma triste lembrança esquecida. Era ele jogando água em mim, rindo à beça, enquanto eu o cobria de algas e ria mais ainda.
Andei um pouco para trás diante daquela lembrança. Como é que uma lembrança pode ser assim tão cruel? Por que ela tinha a necessidade de fazer aquilo comigo? Justo naquela hora? Para que? Qual o fundamento? Naquele instante, meu olhar penoso se transformou em uma raiva enorme, raiva do mar, da lembrança, e principalmente raiva dele, o maior culpado por tudo aquilo, a razão de todo o meu rancor.
Chorei de novo, só que dessa vez um pouco mais intensamente, pude até sentir o calor salgado das lágrimas descendo pelo meu rosto. Passei o dedo por cima de uma lágrima, como se a quisesse pegar e perguntar o porquê daquilo tudo, o motivo de ela ter saído de mim assim, com toda essa audácia, como se achasse que pudesse sair de mim sem pedir, como se fosse dona de si, dona da própria umidade.
Mas não, não consegui me irritar com a pobre lágrima, simplesmente a ignorei, e acho que no fundo a compreendi. Deixei para lá.
Enfrentei o mar. Entrei o mais fundo que pude, esquecendo que tinha roupas, esquecendo que existia. Nesse momento, o mar se acalmou por completo, como se fosse um piscina de magoas, disposta a receber mais uma, a minha.
Abri a caixinha, sorri involuntariamente, chorei mais um pouco e ri à beça de tudo aquilo. Tirei forças de não sei aonde. Acho que do carinho que recebi de minha mãe, dos sorrisos que ele me dava de presente, enfim, tirei forças. E com essas poderosas forças, levantei nos ares a caixinha, e espalhei no mar suas cinzas, para que ele pudesse morar agora com Iemanjá, com Netuno, com os peixes, ou que simplesmente, ele pudesse lembrar daquela água, daquele mar, daquela praia, que nos viu crescer, que nos juntou, que nos amou, que nos serviu de base, para viver, amar e morrer.

Chiove

Chovia, chovia muito, a única coisa que poderia me abrigar ali, era uma marquise formada por calhas comidas pelo tempo. Dessas calhas a chuva escorria, mas não da forma brutal que escorria do céu, e sim de uma maneira mais lenta, mais calma, mais bonita. Quase me perdi no brilho de cada gota que cismava em cair das calhas, como se elas quisessem mostrar um pedaço da minha vida em seu brilho, como se quisessem disputar, para ver qual gota era a mais bonita, a mais brilhante.
Desviei lentamente meu olhar das gotas competidoras, eu sentia que ainda queria vê-las, mas não podia, precisava voltar a fitar a linha do trem, para ver se aquele trem, especialmente aquele trem, iria voltar.
Ah! Como era linda a ferrugem dos trilhos, como me fazia sorrir aquela ferrugem doce que o tempo construiu tão minuciosamente; era lindo.
No momento em que olhava para a grama do outro lado da linha, vi naquele instante, um pequeno garoto, descalço, só de short, correndo de mãos dadas com um menino em uma tarde linda, que quase explodia com a felicidade dos garotos. O garoto menor, era eu e o maior era ele. Nós corríamos feitos loucos naquela época, como se nada, nada mesmo pudesse nos parar ou atingir. Mas nunca desgrudávamos as nossas mãos, eu acho até hoje que a magia da nossa correria estava na junção de nossos dedos, na mistura do suor, nos apertões involuntários na palma do outro.
Uma gota surgiu em baixo de meu olho, não sei se era uma lágrima ou se era uma gota vencedora da disputa pela lembrança melhor. Sei que pouco me importei com a presença úmida do corpo estranho e continuei fitando as minha memórias se desenharem na grama, na linha, na plataforma, no chão.
Continuei ali, rindo à beça, sozinho; eu, minhas lembranças e a chuva. Foi ai que voltou o que eu torcia para não voltar. Voltou rasgando, matando e socando, aquela lembrança de quando ele precisou ir embora, de quando ele subiu no trem, de quando ele, jovem, dizia que iria voltar, assim que terminasse tudo, só para poder me ver, para poder correr comigo, para poder me bater, para poder gritar comigo, para nos sujarmos.
Naquele instante em que ele subiu no trem, ele beijou a minha mão e sussurrou algo que hoje eu traduzo como: Eu te amo. Mas tanto faz, isso já faz tanto tempo não é? Deve fazer dois meses, um ano, dois, talvez trinta. Não importa, o que importa é que eu, passo todos os dias por aqui, para ver os garotos correndo, para ver o sol nascer, para ver as pessoas embarcando, para ver as flores nascendo, para ver as gotas disputando, para ver minhas lágrimas, para ver a grama, a linha, a plataforma; simplesmente para ver se assim, só assim, ele volta para mim.

Dona Cândida



Era sempre a mesma coisa na casa de dona Cândida, de manhã cedo era para todos estarem acordados. Fazia questão de bater panela na porta do meu quarto. “Acorda seu vagabundo! Na minha casa tem que obedecer as minhas regras ouviu?”. Já fazia um tempo que eu resolvera ignorar os ataques da dona Cândida, afinal, ela já estava velha, era normal ficar chata e implicante.
Já fazia dois anos que eu alugava aquele quartinho da velha, não agüentava mais aquele inferno, sorte que eu era paciente. Meus amigos sempre falavam: “Velha tem que morrer em asilo, não sei por que você ainda agüenta.” Talvez fosse por pena ou por preguiça mesmo, nunca fui de fazer escândalos. Até mesmo porque, o quartinho era jeitosinho e tinha uma circulação de ar boa, não tinha muito para reclamar. Só as vezes que apareciam umas infiltrações, mas mesmo resmungando muito, dona Cândida consertava.
Levantei quase meio dia com o escândalo da velha e passei por ela ignorando os ataques e o olhar mal humorado. Fui fazer meu café. Depois de tomar um pouco de café saí, com a velha ainda no meu ouvido, e fui procurar algum emprego. Conseguia enganar dona Cândida dizendo que era empregado, afinal eu sempre tinha dinheiro para pagar o aluguel, nunca atrasei. É que tinha o dinheiro da herança né? Como eu quase não gastava, ainda dava para agüentar um pouquinho mais. Pedro só reclamava “Porra com o dinheiro dessa herança você podia alugar um apartamento para você. Porque ainda mora com essa velha?” Nunca soube responder, talvez fosse por pena, ou por preguiça mesmo.
Andei por horas na rua procurando alguém que se atrevesse a me empregar... Nada. Voltei para casa já era um pouco tarde, e dona Cândida estava vendo novela na sala. Entrei sem fazer barulho e fui direto pro meu quarto. Não se podia fazer barulho na hora da novela. Nunca. Comi uma banana e tomei um copo do suco da Cândida, mesmo que ela se irritasse depois.
Fui deitar e sem conseguir dormir comecei a olhar pro teto, imaginando as coisas que eu poderia ter, mas que nem fazia força para tê-las. Nunca fui muito ambicioso, sempre ficava contente com o que eu tinha e nunca fui de reclamar. Desde criança que os outros brigam comigo e se aproveitam de mim, nunca liguei muito, não me importava mesmo.
Acordei mais feliz do que nunca naquele dia. Não sabia o porquê daquilo. Não conseguia nem mesmo pensar nos gritos de dona Cândida. Estava muito feliz naquela manhã. “Que sorriso bobo é esse seu merda? Ta achando que pode rir da minha cara assim é? Pois vá tentando. Um dia ainda te ponho pra fora seu vagabundo.” Eu simplesmente ignorava toda a gritaria e o escândalo. Cheguei à cozinha com a velha atrás de mim ainda aos berros. Olhei ao meu redor procurando o filtro para fazer café. Sempre sorrindo, sem nem olhar para Cândida. Talvez isso deixasse a velha um pouco mais nervosa, talvez fosse por isso que ela gritava tanto naquele dia.
Não achei o café e acabei esbarrando em uma faca. Olhei para aquela faca de prata brilhante, bonita. Peguei a faca e fiquei olhando por um momento, sempre com um sorriso na cara e gritaria atrás. Virei para dona Cândida, dei “bom dia” e afundei a faca com gosto no seu coração. Afundei a faca da mesma forma que afundamos em uma manga suculenta, afundei com vontade. Depois que os gritos pararam e a velha fechou os olhos de vez, eu lavei minhas mãos, achei o filtro e fui fazer meu café.
Até hoje não sei por que demorei tanto para matar a pobre dona Cândida. Talvez fosse por pena ou por preguiça mesmo.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

No fim ela mandou eu sossegar a bundinha. Tudo sempre foi por minha culpa, culpa da impaciência. Chegou o momento de esperar de verdade e segurar na mão de Deus. As vezes ele serve pra alguma coisa.
Ainda espero ser feliz...Para onde? Para sempre...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Alva

Desconhecida por mim
Foi nascida em outras bandas.
Descalçou suas crenças miúdas
Caminhando no silêncio Encantado.

Seus dedos murchos de tão Alvos
Limpou, sem tocar, as lágrimas do menino moço.
Assim viveu, de observar as coisas pequeninas.
Morreu para sempre, Alvina.

sábado, 4 de setembro de 2010

Despedida de início

Eu acho que acabou então. Não que não seja bom tentar mais um pouco, mas é que eu acho que já não tenho mais suporte para continuar trilhando por outras pedras. Minhas pernas começaram a se perder. Preciso dar um foco mais especial nas pedras que resolvi jogar por aí.
Vai doer um pouco talvez, sempre dói mudar de dor. Sempre é necessário.
Posso ainda me fazer presente de carne e espírito, mas talvez eu não consiga me fazer de vida.
Sentido ou não, feliz ou não, arrependido ou não, querido, eu pulei fora. Pode ficar com o que sobrou de mim. E ao menos cuide bem disso, me faz falta...muita falta.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Se todos fossem iguais a você

Foi
Minha
Vida, sem
Caminho
De paz, de amor.
Só abriu os braços
Para cair no seu mar

Morte em uma caixinha de vidro

Aí, na caixa de vidro, ela começou a gritar:
Caralho! Para de fingir ser o que você já é para ele. Mas que droga. Minta para você, por você, ele não te da nada em troca não percebe? É tudo de graça...
Aí eu fiquei sem ação com a meia verdade que ela dizia...Não queria aceitar que eu me montava, adestrava e me construía para ele de graça. Não queria ver que no fim era um jogo meu com alguns mins. Foi então que ela virou para esses mins e disse:
BANDO DE IDIOTAS! Não percebem que o fazem sofrer? Não percebem que ele não é amado e nunca poderá ter o menino nos braços? Partam já daqui e levem tudo o que trouxeram. Camilo nasceu sozinho, sem mins e companhia. Vai morrer sozinho, sem vocês, sem ele, sem mim.
Aí eu fiquei sem graça, mas por ela do que pela vexame na caixinha. Ela ficou falando da morte assim, sem nenhum pudor...falou sem vergonha...Não sei ainda se eu morri, não me contaram essa parte da história, mas também não quero aceitar que sou cafona por não aceitar morrer sem ele.

sábado, 28 de agosto de 2010

"Sem lenço sem documento..."

Na ausência de Deus





Sábado sempre foi assim: Julie London e incertezas cibernéticas para esquecer e lembrar da ausência dele. De uma página para outra o nome dele sempre surge. Com quem está? Com quem será? Simples perguntas idiotas que não faziam parte da minha realidade. Perguntas idiotas...
Fico sozinho brigando comigo mesmo, evitando mensagens e correr atrás. Não posso forçar a entrada de algo que não me quer muito por perto.
Para me consolar e lembrar mais dos momentos felizes eu começo a pesquisar os preços dos próximos presentes: The Cure? O livro de terror clássico? Fico com os dois. E nesse momento vozes sussurram de levinho dizendo que não sou de fazer isso, que nunca fiz isso, que presente é coisa de idiotas. Sou idiota. Dou presentes...a ele.
Sábado é sempre sozinho sem ele, sem mãe, sem ele, sem filme, sem ele, sem Deus. Deus sempre tira folga no sexto dia. Ao menos dizem por aí: Antes só, que mal acompanhado.

sábado, 14 de agosto de 2010

E nós ficamos por alí dançando. Explorando os cantos secretos da mata abertamente fechada para nós. Só queríamos fugir daqueles olhares que nos arrastavam para longe. Queríamos nos prender dentro de nós mesmos.
Ao redor, tudo dormiu e foi aí, que eu percebi, que o mato nos admirava. Eu não consegui sorrir de boca, mas sorri de dentro para o carinho das árvores. Afinal, são poucos que param o que fazem para aclamar um falso amor fingido. Principalmente esse, que ele insiste em me dar todos os dias.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Cheguei a conclusão de que viver como eu decidi viver pode ser mais fácil que muita coisa. É divertido, cruel, prático, alegre e corrosivo. Só tem graça pra mim e comigo. Me travar por causa de adjetivos que não estão nessa lista atrasa a jogada.
Melhor morrer sendo agora, do que viver sem ser.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Saudar a saudade.

A pior saudade é aquela dos tempos em que não vivemos. Sentir aquela coisinha revirar dentro da gente com imagens que não são nossas, com emoções que não vivemos. Uma realidade fingida que é mais dolorida por não ser feita do real convencional.
Queria ser de muitas vidas e de muitos passados. As vezes, sempre as vezes, o real que eu vivo não consegue suprir as saudades que eu carrego no peito.
Queria ser um Croquette. Já pensei em ser amigo de Chanel. Quis, um dia, nascer ao lado de Van Gogh. Não para saber como era a época e nem para conhecer as personalidades de lá. Mas só para saber o que os meus sentires de hoje sentiriam naquele momento. Se o meu viver suportaria guardar todas as lembranças que o mundo guarda. Se eu conseguiria me desafiar e me desprender um pouco de mim. Para ver se sendo menos eu, ainda existiria vida.

quinta-feira, 29 de julho de 2010



"Dor?
Dor
é como o amor, como a compaixão! É atributo de homens inferiores. O que é a dor para Destino?” (Victor Von Doom)

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Acho ruim voltar a escrever em um espaço que permaneceu vazio mais tempo do que ele estava acostumado.
Será que você me aceita de volta?
Sonhou comigo também? Sonhou com meus dedos retratando mais coisinhas? Espero que sim, outros já sonharam...

É que já era tarde demais para arrumar as cadeiras. Ele estava cansado...

domingo, 20 de junho de 2010

Os avessos são mais importantes que as certezas. Eles que desregulam a vida.
O passado começa a revolver aqui por dentro.
Vida já não é uma certeza.
Meu estômago vivia repleto de borboletas.
Meu sangue pulsa ao som do silêncio do antes.
Meu coração tenta matar a angústia.
Enquanto eu caio, meus pés se sustentam.
Egoístas.
As borboletas voaram para longe.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Nasci daquilo que me é mais sagrado: cinismo. Percebo agora que consigo esquecer facilmente aquilo e aqueles que me deixam pra baixo quando volto para onde eu vim.
Sou uma pessoa que se diverte com manipulação fácil, intrigas, baixarias e mentiras. Só assim sou feliz. É para isso que eu existo, é para isso que eu vim.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Algo por aqui me sobe. Só sobe-sobe quando você se afasta. Não é calor e nem ao menos frio, é o rastro morno que sua ausência deixa.
Me canso de ser subjetivo e fico com tédio das minhas descrições. Só as palavras me ouvem, mesmo que para elas seja insuportável esse relato.
Já decidi me afastar da sua ausência sem me aproximar da sua presença. Quero que acabe o agora pra começar o depois. Não quero mais o presente, prefiro até mesmo o passado.
Sim! Sim, eu peço para você voltar! Mas não atenda meu pedido, por todo o amor que os deuses não tem! Se você atender a esse grito calado eu sei que vou voltar para a sua volta; só que dessa vez eu não tenho mais pernas para cair. Sei que você não quer me segurar.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Fui perdendo.

Perdi tudo com ele: Tempo,
dinheiro,
carinho,
atenção,
beijos,
suor,
brilho,
olhar,
sorriso e até mesmo os meus braços.
Só me arrependo de não me arrepender.
Perdi tudo porque quis.
Eu sempre soube que ele iria me deixar cair.

sábado, 5 de junho de 2010

As vezes penso que só digo acreditar em Deus por ter medo do que ele pode fazer comigo se eu ousar desviar de seu caminho. Mesmo não existindo sua mão pesa sobre os homens.
Quero ser exonerado do cargo de ser humano.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O perfume

Mas aí ele parou de me beijar e resolveu me abraçar. Abraçou um abraço gostoso que criou em mim uma felicidade assustada. Só consegui interromper o silêncio barulhento do momento com uma pequenina frase: "Puxa...como é bom!"; ele se riu mas não conseguiu deixar de me abraçar, alguma coisa tava prendendo ele alí.
De frente pra ele e de costas pra árvore eu comecei a perceber que o perfume do mato tava indo embora pra deixar o perfume dele chegar. E chegou. O perfume chegou de mansinho e foi ficando ali, como quem quer espiar duas pessoas se amando escondido. Mais uma vez eu interrompi o silêncio pra comentar. Ele disse que o perfume era Avon. Eu ri um pouco com o não entendimento dele. Eu não queria falar desse perfume que se compra em vidro eu queria falar daquele que vem com a gente, aquele cheiro de homem vivo, cheiro de vida boa, carente e feliz. Só que não consegui corrigir o menino, prefiria voltar pro silêncio do cheiro e pro barulho do abraço.
Ficamos alí por alguns muitos pequenos momentos, foi então que eu percebi que naquele instante, o resto do mundo já não mais existia.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

O corte


O
Fim de
Um pulso
Iniciou
Mais um lindo
E ornamentado
Bracelete rasgado

terça-feira, 25 de maio de 2010

A morte é, a vida está para ser.

Não acredito em destino, mas que ele existe, existe.

Quando percebemos que o futuro é só uma releitura do passado é que começamos a entender o sistema do fazer-destino.

A gente só escolhe uma vez na vida, e essa escolha que vai dando voltas, vai se distorcendo até formar uma cadeia.

A cadeia de transfiguração da escolha faz a gente pensar que estamos escolhendo toda hora. Balela.

Não sei quem nos fez nem quem nos faz, mas sei que esta se divertindo à beça com o resultado.

A única coisa que escolhemos é: Nos rebelarmos contra o nosso criador ou aceitar a sina?

Nosso criador é esperto e fez a gente para que pudessemos ter preguiça, por isso não há revolta.

Mesmo tendo a opção de escolher uma vez só, escolhemos aquilo que nos é imposto.

Somos cachorrinhos que acreditam nas escolhas e no destino.

Nem escolha nem destino podem existir.

Só existe aquilo que não podemos definir, e a graça do não existir das coisas está aí.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

E ele, que na verdade sou eu, dizia aos seus amigos o quanto ficava feliz em saber que nunca iria conhecer seu duplo. A felicidade de saber que não saberia do outro vinha da certeza de que se esse encontro acontecesse um dos dois morreria. E foi assim que aconteceu. Ele, que na verdade sou eu, morreu.
Eu
Já não
Posso mais
Acreditar
Na fuga de mim
Já que você sempre
Insiste em me achar
Mas foi só agora que eu percebi como é difícil ser o criador desse amor que sinto. O problema daqueles que criam é quando suas obras se rebelam contra eles.

Partida

Parti uma vez
Você me
Pegou de volta

Cantares que vem do passado



Eu tava por ali mais uma vez sem saber como agir. É que sempre foi assim com agente: Ele avançava um pouco, eu cedia, ele voltava, eu me entristecia. Acho que esse sistema infinito sempre me deixou cansado e por isso que eu sempre, em algum momento, resolvia avançar aquele limite que ele me apresentava.
Não reclamo, mas de forma alguma, de ter que tomar certas atitudes, de ter que cuidar, me importar, perguntar e tentar resolver algumas coisas entre nós. Acontece que hoje percebo que isso foi me deixando mais fraquinho, quase doente. É que o amor "faz eu pensar em você e esquecer de mim". Esse esquecer-de-mim-para-lembra-de-você foi fazendo que eu ignorasse meus problemas para tentar resolver os dele. Tomar as dores do outro sempre foi o meu forte. Os problemas que eu cismava em ignorar uma hora iriam surgir, mesmo que eu ignorasse por trinta anos. Apareceram.
As dificuldades que eu guardei na caixinha um tempo atrás voltaram junto com a sombra do passado dele. Aquele passado que chama você pra voltar, aquele que não foi resolvido e te come por dentro, aquele que estava meio inquieto esperando para ser esquecido. O passado dele veio com força, e a confusão que a cegueira das sombras do passado causaram, deixaram ele confuso quanto ao seu presente e o seu futuro.
As cartas um dia me disseram que eu terei felicidade se esquecer algumas dificuldades. Não sei de que dificuldades elas falam. Podem ser as pedras que estão no meu caminho até ele, talvez sejam as dificuldades de ter a atenção dele. Não importa que dificuldade seja, não importa se isso se tornará uma verdade. Importa agora o fato de que eu, mesmo fraquinho e doente, vou enfrentar essas dificuldades inúteis.
Vou enfrentar as dificuldades por não ter outra coisa melhor para fazer. Vou enfrentar meus problemas por precisar saber, no futuro, que eu tentei agora. Mesmo que eu seja alvo de piadas ou nojo, mais logo a frente, eu não irei me arrepender dessa decisão de agora. Tenho certeza.
Pode ser que lá pelas tantas eu não suporte mais sustentar os meus defeitos e a preocupação com os problemas dele. Talvez eu morra tentando. Talvez eu morra amanhã. Mas é melhor morrer no jogo, fazendo papel de burro, do que recusar as cartas sem nem tentar um 21.

domingo, 23 de maio de 2010

A verdade é que sempre tem um que se mete dizendo que ele quem deveria me proteger, ele quem deveria tomar iniciativas. Esse jogo de decidir deveres acaba me cansando demais, perco a pouca paciência que resolveram deixar em mim. Acontece que eu não consigo esperar por muito tempo que algo parta dele. Se eu posso fazer, e isso ajuda a situação, então eu faço.
O que passou a me importar é o fato de saber que ele esta rindo, e foda-se se ele ri de mim ou comigo. Ele esta rindo não está? É que "felicidade se acha em horinhas de descuido" e eu me esforço para achar essas horinhas, não me importando como elas vão se manifestar.
Eu acho que só consegui perceber que é estupidamente bom ver aquela carinha babona de criança feliz quando ele se enrodilhou por conta própria nos meus braços, certa vez. Foi engraçado porque eu consegui ver com clareza que aqueles olhos que no sol se mostram frios e distantes de tudo e todos, na escuridão do carinho se mostra frágil e carente.
Os olhos sempre foram para mim a parte do corpo que eu mais gostei, porque são os únicos do corpo humano que sorriem junto com a boca, e até mesmo sem ela. Os olhos não são as janelas da alma, são as janelas de nós. Nunca esta trancada. As vezes pode estar apenas suja, mas nada como decidir limpá-las para descobrir como é bom ver o sorriso do outro.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Visitem o site de Literatura Infantil e Juvenil da Faculdade de Letras da UFRJ: lindo e cheio de informações maravilhosas sobre o VI Encontro de Literatura e outras coisas mais. http://www.literaturainfantilejuvenil.com.br/

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Morte



Não
Vivi
Inteiro
O mais curto
Inexplicável
Derradeiro dia
Houve um imprevisto


Celia Leitão

quinta-feira, 13 de maio de 2010


O verdadeiro observador

Homenagem às putas

sábado, 8 de maio de 2010

Dormir é fugir
Daquilo
Que nos desperta

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Eu pensei em dizer o quanto me deixava eufórico ter as mãos dele; mas talvez ele não gostasse. Pensei em dizer que estava enfrentando meus princípios estando alí com ele; mas talvez ele fosse embora. Pensei muitas coisas e não disse nada, tudo por medo de perder aquele beijo. Só ele que pensou, e disse que o tinha pensado, bem no momento em que eu avisei que precisava ir. Ele disse: "Não! Fica", e eu fiquei.

Por causa dele...

quinta-feira, 6 de maio de 2010




Essa é para ele...Só espero que você entenda que: "Você é meu rio/ E eu pedra de rio"
Risos são armas
De cortar
O silêncio

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Plágio é só mais uma das formas da inveja. A inveja é só mais uma das formas do homem. Já o homem é só mais uma das formas de dizer que só existem duas coisas infinitas: O universo e a estupidez de Deus.

sábado, 24 de abril de 2010

E ali o sangue grosso de Ivone se misturava com a tinta preta de sua pena. As palavras morreram junto com ela.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Mais um clichê



Lá pelos meus dez anos foi quando eu ouvi a palavra "amor". Não sei bem porque mas eu sempre ouvia essa palvra com um toque de medo ou de descrença na voz das pessoas, as vezes parecia coisa proibída, "coisa de adulto". Dona Candinha chegava a se benzer quando mamãe e ela falavam do amor que tinha na casa da Celeste e do marido dela. Diziam ser coisa do demônio aquele "fogo" todo. Eu sei que nessa brincadeira o amor virou falta de respeito, abuso, "coisa do coisa ruim", segredo e muitas outras coisas que além de proibídas eram perigosas.
Fiquei sem saber como era esse tal de amor, se tinha alguma forma, alguma temperatura, algum gosto. Seria gostoso? Seria amargo? Não conseguia entender nada. Do amor eu só conhecia o que eu desconhecia dele e isso me deixava inquieta, não durmia, não chorava, não ia nem ajudar minha mãe.
Tratei de investigar e comecei um jogo de "jogar verde pra colher maduro" com as pessoas que eu conhecia, só pra conseguir mais uma informaçãozinha sobre esse tal de amor. Sei que em um dado momento minhas investigações tiveram de parar porque foi aí que apareceu o Robertinho.
Robertinho jogou fora meus materiais e arquivos de pesquisa sobre o amor, ocupou o tempo que a investigação ocupava, me fez esquecer desse tal amor e começar a investigar a vida dele. Larguei dessa mania de procurar amores e fui começar a descobrir coisas do Robertinho. O meu interesse pela temperatura dele, a forma dele e o gosto dele tomaram o lugar das questões sobre as paixões que pertubavam a minha vida.
Faço o jogo de "jogar verde pra colher maduro" com Robertinho até hoje, sou detetive do interior dele, gosto disso. E hoje, lembrando dessa minha busca pelo amor, eu penso que talvez eu nunca vá achar o tal gosto do amor. E talvez eu nem deva achar.

Incapacidade




Até hoje me pergunto sobre a existência deste blog. Nunca dei pra essas coisa de escrever, costurar textos e emendar palavras é com dona Georgina, é coisa de Guimarães, é coisa pros grandes; não sei fazer isso. Sou incapaz de escrever algo que seja pelo menos bom. E pensando na minha incapacidade de fazer as coisas resolvi escrever sobre elas para ver se elas se tocam e melhoram, se simplesmente alguém surge pra me ajudar ou se elas ficarão mais confortáveis: Não sei escrever.Não sei ler muito bem.Não sei estudar direito.Não posso ver a fome.Não posso aguentar injustiças.Não posso ficar parado.Não consigo fugir de confusão.Não consigo deixar de me rebaixar.Não consigo parar de sofrer.Sou incapaz de viver sem amar.Sou incapaz de viver sem amor.Sou incapaz de ficar sem a arte.E talvez isso um dia me mate.

quarta-feira, 31 de março de 2010

A confraria



Eu lembro que quando começaram as reuniões da confraria na casa da Thereza, minha mãe não me deixava assistir. Nunca entendi por que, já que ela alegava um motivo diferente a cada dia que eu implorava para ir: "Ai, Camilo, você não vai entender nada.", "Ai, Camilo, você vai falar besteira e vai atrapalhar", "Ai, Camilo, você vai querer vir embora.". De tanto ouvir "Ai Camilo..." acabei me conformando com as proibições e guardei o meu desejo.
A confraria sempre me pareceu uma seita secreta onde mulheres se reuniam pra falar de literatura. Algo bem como ABL mesmo. E foi logo após a morte de uma das confreiras que eu comecei a forçar a minha participação na seita. Não fui iniciado nas palavras e nem passei pelos ritos de escrita que elas passaram para entrar, comecei como xereta mesmo, como intruso. No fim elas viram que não tinha mais jeito e que eu não ia sair de lá...acabei ficando.
Não sou um confreiro e nem escrevo na confraria mas eu me divirto vendo aquelas mulheres falando com gosto do que leem, rindo do que é ridiculo, discutindo em defesa da palavra. Acho bonito, só.
Talvez se eu não tivesse gostado do que os meus pais me mostraram como bom eu não veria tanta beleza naquele grupo. Porque parece que todo dia nasce uma coisa nova ali na mesa, parece que o lápis ou o computador suga todas as ideias e brincadeiras que correm na cabeça dessas confreiras, e pra mim não tem como não ver beleza nisso.
Não sei porque teimo em permanecer assistindo as reuniões da confraria já que não consigo traduzir o real em palavras como elas. Mas talvez o gosto que eu peguei pela pavra escrita, cantada e falada tenha me prendido ali no meio das quatro.
Depois da paixão pelas palavras veio a paixão pelas quatro meninas. Também, seria quase impossível não me divertir com as histórias engraçadas da Mariana, com as palhaçadas da Vera, com as palavras caprichosas da Fernanda, com a cultura assustadora da Célia e com a revolução que minha mãe provoca. Uma revolução literária que começa dentro da gente, fazendo com que comecemos uma briga com aquilo que lemos e escrevemos, nos tornando mais chatos, fazendo passeatas contra os maus tratos à palavra e pondo no paredão todos aqueles que fingem ser maiores que a literatura. Uma revolução que todas ali fazem parte, uma revolução que aprendi no berço e que me tornou um militante junto à minha mãe. Eu me orgulho disso.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Solidão apavora

Digo por muitas vezes que "Sozinho" já me irritou e que não suporto mais ouvir a música e nem aqueles que dizem que ela é do Caetano. Mas eu preciso contar um segredo: Ainda ouço "Sozinho" e vivo "Sozinho" como nunca vivi nenhuma outra música. Talvez a música realmente seja cafona e não tenha nada demais perto das outras, mas nenhuma é tão verdadeira e sozinha como essa.
Acho que não precisa ser noite pra eu pensar em nós dois só precisa ter silêncio, aquele silêncio cruel que espera na porta todas as suas ideias e assuntos sairem para ele poder entrar sem pedir licença e baguncar tudo. Aí eu penso em nós dois, como na música.
Se de alguma forma o trecho " Teu cabelo preto/ Explícito objeto/ Castanhos lábios/ Ou pra ser exato/ Lábios cor de açaí" se misturasse à música "Sozinho" aí essa música seria feita para mim, só para mim. Porque só eu pensei nisso, só eu descobri isso, só eu me sinto assim...pelo menos agora. Não sei o tamanho da raiva que tenho de mim por sentir isso, só sei que é grande.
Gostaria de chegar pra você e perguntar: "Por que você me esquece e some? Por que você não cola em mim? To me sentindo muito sozinho". Mas acho que essas frases são ousadas o suficiente pra existirem só na música, por isso não pergunto.
Quando eu tiver coragem de enfrentar "o antes, o agora e o depois" eu vou juntá-los pra ver se assim eu fico menos "Sozinho", e se assim você conta "Onde está você agora?".

A casa de dona Cândida




Era sempre a mesma coisa na casa de dona Cândida, de manhã cedo era para todos estarem acordados. Fazia questão de bater panela na porta do meu quarto. “Acorda seu vagabundo! Na minha casa tem que obedecer as minhas regras ouviu?”. Já fazia um tempo que eu resolvera ignorar os ataques da dona Cândida, afinal, ela já estava velha, era normal ficar chata e implicante.
Já fazia dois anos que eu alugava aquele quartinho da velha, não agüentava mais aquele inferno, sorte que eu era paciente. Meus amigos sempre falavam: “Velha tem que morrer em asilo, não sei por que você ainda agüenta.” Talvez fosse por pena ou por preguiça mesmo, nunca fui de fazer escândalos. Até mesmo porque, o quartinho era jeitosinho e tinha uma circulação de ar boa, não tinha muito para reclamar. Só as vezes que apareciam umas infiltrações, mas mesmo resmungando muito, dona Cândida consertava.
Levantei quase meio dia com o escândalo da velha e passei por ela ignorando os ataques e o olhar mal humorado. Fui fazer meu café. Depois de tomar um pouco de café saí, com a velha ainda no meu ouvido, e fui procurar algum emprego. Conseguia enganar dona Cândida dizendo que era empregado, afinal eu sempre tinha dinheiro para pagar o aluguel, nunca atrasei. É que tinha o dinheiro da herança né? Como eu quase não gastava, ainda dava para agüentar um pouquinho mais. Pedro só reclamava “Porra com o dinheiro dessa herança você podia alugar um apartamento para você. Porque ainda mora com essa velha?” Nunca soube responder, talvez fosse por pena, ou por preguiça mesmo.
Andei por horas na rua procurando alguém que se atrevesse a me empregar... Nada. Voltei para casa já era um pouco tarde, e dona Cândida estava vendo novela na sala. Entrei sem fazer barulho e fui direto pro meu quarto. Não se podia fazer barulho na hora da novela. Nunca. Comi uma banana e tomei um copo do suco da Cândida, mesmo que ela se irritasse depois.
Fui deitar e sem conseguir dormir comecei a olhar pro teto, imaginando as coisas que eu poderia ter, mas que nem fazia força para tê-las. Nunca fui muito ambicioso, sempre ficava contente com o que eu tinha e nunca fui de reclamar. Desde criança que os outros brigam comigo e se aproveitam de mim, nunca liguei muito, não me importava mesmo.
Acordei mais feliz do que nunca naquele dia. Não sabia o porquê daquilo. Não conseguia nem mesmo pensar nos gritos de dona Cândida. Estava muito feliz naquela manhã. “Que sorriso bobo é esse seu merda? Ta achando que pode rir da minha cara assim é? Pois vá tentando. Um dia ainda te ponho pra fora seu vagabundo.” Eu simplesmente ignorava toda a gritaria e o escândalo. Cheguei à cozinha com a velha atrás de mim ainda aos berros. Olhei ao meu redor procurando o filtro para fazer café. Sempre sorrindo, sem nem olhar para Cândida. Talvez isso deixasse a velha um pouco mais nervosa, talvez fosse por isso que ela gritava tanto naquele dia.
Não achei o café e acabei esbarrando em uma faca. Olhei para aquela faca de prata brilhante, bonita. Peguei a faca e fiquei olhando por um momento, sempre com um sorriso na cara e gritaria atrás. Virei para dona Cândida, dei “bom dia” e afundei a faca com gosto no seu coração. Afundei a faca da mesma forma que afundamos em uma manga suculenta, afundei com vontade. Depois que os gritos pararam e a velha fechou os olhos de vez, eu lavei minhas mãos, achei o filtro e fui fazer meu café.
Até hoje não sei por que demorei tanto para matar a pobre dona Cândida. Talvez fosse por pena ou por preguiça mesmo.

E Chiove




Chovia, chovia muito, a única coisa que poderia me abrigar ali, era uma marquise formada por calhas comidas pelo tempo. Dessas calhas a chuva escorria, mas não da forma brutal que escorria do céu, e sim de uma maneira mais lenta, mais calma, mais bonita. Quase me perdi no brilho de cada gota que cismava em cair das calhas, como se elas quisessem mostrar um pedaço da minha vida em seu brilho, como se quisessem disputar, para ver qual gota era a mais bonita, a mais brilhante.
Desviei lentamente meu olhar das gotas competidoras, eu sentia que ainda queria vê-las, mas não podia, precisava voltar a fitar a linha do trem, para ver se aquele trem, especialmente aquele trem, iria voltar.
Ah! Como era linda a ferrugem dos trilhos, como me fazia sorrir aquela ferrugem doce que o tempo construiu tão minuciosamente; era lindo.
No momento em que olhava para a grama do outro lado da linha, vi naquele instante, um pequeno garoto, descalço, só de short, correndo de mãos dadas com um menino em uma tarde linda, que quase explodia com a felicidade dos garotos. O garoto menor, era eu e o maior era ele. Nós corríamos feitos loucos naquela época, como se nada, nada mesmo pudesse nos parar ou atingir. Mas nunca desgrudávamos as nossas mãos, eu acho até hoje que a magia da nossa correria estava na junção de nossos dedos, na mistura do suor, nos apertões involuntários na palma do outro.
Uma gota surgiu em baixo de meu olho, não sei se era uma lágrima ou se era uma gota vencedora da disputa pela lembrança melhor. Sei que pouco me importei com a presença úmida do corpo estranho e continuei fitando as minha memórias se desenharem na grama, na linha, na plataforma, no chão.
Continuei ali, rindo à beça, sozinho; eu, minhas lembranças e a chuva. Foi ai que voltou o que eu torcia para não voltar. Voltou rasgando, matando e socando, aquela lembrança de quando ele precisou ir embora, de quando ele subiu no trem, de quando ele, jovem, dizia que iria voltar, assim que terminasse tudo, só para poder me ver, para poder correr comigo, para poder me bater, para poder gritar comigo, para nos sujarmos.
Naquele instante em que ele subiu no trem, ele beijou a minha mão e sussurrou algo que hoje eu traduzo como: Eu te amo. Mas tanto faz, isso já faz tanto tempo não é? Deve fazer dois meses, um ano, dois, talvez trinta. Não importa, o que importa é que eu, passo todos os dias por aqui, para ver os garotos correndo, para ver o sol nascer, para ver as pessoas embarcando, para ver as flores nascendo, para ver as gotas disputando, para ver minhas lágrimas, para ver a grama, a linha, a plataforma; simplesmente para ver se assim, só assim, ele volta para mim.

domingo, 14 de março de 2010

“Pagando bem que mal tem?”

Sinto uma enorme necessidade em discutir esse assunto sempre que posso. E acho que mesmo que o assunto se apresente como uma besteira creio que a importância de uma discussão como essa, é enorme.

No mundo de hoje ficamos perdidos no meio de milhões de informações e muitas vezes não temos tempo para analisar e digerir a bateria de novidades que recebemos todo dia. E é aí que mora o problema. Ouvimos música, lemos artigos, assistimos espetáculos. E tudo isso que fazemos se torna tão descartável que no dia seguinte já estamos fazendo o mesmo circuito. E nessa correria não paramos para pensar se o que ouvimos, lemos ou assistimos é bom. Será que perdemos o nosso senso crítico?

As coisas ficaram mais difíceis de serem classificadas como boas ou ruins. Os artistas e outros “fabricantes” de informação já não se importam mais em produzir o que eles acham bom, o que eles acham que o povo precisa. A produção hoje é voltada para o que a maioria quer, e o que ela quer dá dinheiro, muito dinheiro.

Claro que existem artistas que realmente só conseguem produzir besteiras e não enganam ninguém, são o que eles são; uma droga, mas são. Mas e os que sabem das coisas? E aqueles que são inteligentes e produzem pelo dinheiro? O que é melhor? Fazer o que gosta e correr o risco de não ganhar dinheiro, ou fazer o que se pede e ganhar muito dinheiro?

Será que não é muito estranho sairmos de um período tão maravilhoso como a Tropicália, que lutava pela liberdade de expressão e pela inovação da arte?

Prêmio jabuti, Oscar, Prêmio Barco a vapor, Academia Brasileira de Letras, Prêmio Marcantonio Vilaça, Prêmio Molière. Será que todos esses prêmios e prestígios estão sendo destinados às pessoas que realmente merecem recebê-los?