sábado, 18 de setembro de 2010

O mar




Cheguei na hora certa, bem no momento mais bonito do dia para nós dois, a hora crepuscular. Andava de vagar, aproveitando a areia que coçava o meu pé com o seu calor natural. Acho que naquela hora eu estava chorando, devia estar sim, mas agora, eu não lembro, não faço idéia do que escorria dos meu olhos.
Comecei olhando o mar, que surpreendentemente estava calmo naquele fim de tarde. Acho que o mar tinha serenado só por causa daquele acontecimento. No momento em que fitava o mar, a minha mão apertou fortemente a caixinha de madeira que trazia em mãos. Quase senti a madeira quebrar de tão vagabundo que era o material, mas não pude pegar outra caixinha, ele gostava muito dessa, gostava mesmo.
Parei no meio do caminho, olhei para os lados e vi aquela pedra, justo aquela pedra coberta de mato em que nós sentávamos para observar o sol se por. E ficávamos ali, até a hora que um de nós caísse no sono. Desviei o olhar para cima e chorei um pouco; sim, dessa vez eu realmente chorei.
Continuei andando até chegar à beira do mar, recuei quando vi que a água iria tocar meus pés, mas, no momento em que a água, a insistente onda tocou os meus pés, eu relaxei um pouco e me deixei levar por aquele fluxo tranqüilo e gelado.
Olhei para o mar, com um curioso olhar de pena, nem sei o porquê daquele olhar, mas ele simplesmente saiu de mim e encontrou as ondas. Nessa onda de pena que saia de mim, vi algo passar pelas águas, pensei que fosse um peixe vazio, ou uma garrafa nadando, mas não, era apenas um lembrança perdida; uma triste lembrança esquecida. Era ele jogando água em mim, rindo à beça, enquanto eu o cobria de algas e ria mais ainda.
Andei um pouco para trás diante daquela lembrança. Como é que uma lembrança pode ser assim tão cruel? Por que ela tinha a necessidade de fazer aquilo comigo? Justo naquela hora? Para que? Qual o fundamento? Naquele instante, meu olhar penoso se transformou em uma raiva enorme, raiva do mar, da lembrança, e principalmente raiva dele, o maior culpado por tudo aquilo, a razão de todo o meu rancor.
Chorei de novo, só que dessa vez um pouco mais intensamente, pude até sentir o calor salgado das lágrimas descendo pelo meu rosto. Passei o dedo por cima de uma lágrima, como se a quisesse pegar e perguntar o porquê daquilo tudo, o motivo de ela ter saído de mim assim, com toda essa audácia, como se achasse que pudesse sair de mim sem pedir, como se fosse dona de si, dona da própria umidade.
Mas não, não consegui me irritar com a pobre lágrima, simplesmente a ignorei, e acho que no fundo a compreendi. Deixei para lá.
Enfrentei o mar. Entrei o mais fundo que pude, esquecendo que tinha roupas, esquecendo que existia. Nesse momento, o mar se acalmou por completo, como se fosse um piscina de magoas, disposta a receber mais uma, a minha.
Abri a caixinha, sorri involuntariamente, chorei mais um pouco e ri à beça de tudo aquilo. Tirei forças de não sei aonde. Acho que do carinho que recebi de minha mãe, dos sorrisos que ele me dava de presente, enfim, tirei forças. E com essas poderosas forças, levantei nos ares a caixinha, e espalhei no mar suas cinzas, para que ele pudesse morar agora com Iemanjá, com Netuno, com os peixes, ou que simplesmente, ele pudesse lembrar daquela água, daquele mar, daquela praia, que nos viu crescer, que nos juntou, que nos amou, que nos serviu de base, para viver, amar e morrer.

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