sábado, 18 de setembro de 2010

Chiove

Chovia, chovia muito, a única coisa que poderia me abrigar ali, era uma marquise formada por calhas comidas pelo tempo. Dessas calhas a chuva escorria, mas não da forma brutal que escorria do céu, e sim de uma maneira mais lenta, mais calma, mais bonita. Quase me perdi no brilho de cada gota que cismava em cair das calhas, como se elas quisessem mostrar um pedaço da minha vida em seu brilho, como se quisessem disputar, para ver qual gota era a mais bonita, a mais brilhante.
Desviei lentamente meu olhar das gotas competidoras, eu sentia que ainda queria vê-las, mas não podia, precisava voltar a fitar a linha do trem, para ver se aquele trem, especialmente aquele trem, iria voltar.
Ah! Como era linda a ferrugem dos trilhos, como me fazia sorrir aquela ferrugem doce que o tempo construiu tão minuciosamente; era lindo.
No momento em que olhava para a grama do outro lado da linha, vi naquele instante, um pequeno garoto, descalço, só de short, correndo de mãos dadas com um menino em uma tarde linda, que quase explodia com a felicidade dos garotos. O garoto menor, era eu e o maior era ele. Nós corríamos feitos loucos naquela época, como se nada, nada mesmo pudesse nos parar ou atingir. Mas nunca desgrudávamos as nossas mãos, eu acho até hoje que a magia da nossa correria estava na junção de nossos dedos, na mistura do suor, nos apertões involuntários na palma do outro.
Uma gota surgiu em baixo de meu olho, não sei se era uma lágrima ou se era uma gota vencedora da disputa pela lembrança melhor. Sei que pouco me importei com a presença úmida do corpo estranho e continuei fitando as minha memórias se desenharem na grama, na linha, na plataforma, no chão.
Continuei ali, rindo à beça, sozinho; eu, minhas lembranças e a chuva. Foi ai que voltou o que eu torcia para não voltar. Voltou rasgando, matando e socando, aquela lembrança de quando ele precisou ir embora, de quando ele subiu no trem, de quando ele, jovem, dizia que iria voltar, assim que terminasse tudo, só para poder me ver, para poder correr comigo, para poder me bater, para poder gritar comigo, para nos sujarmos.
Naquele instante em que ele subiu no trem, ele beijou a minha mão e sussurrou algo que hoje eu traduzo como: Eu te amo. Mas tanto faz, isso já faz tanto tempo não é? Deve fazer dois meses, um ano, dois, talvez trinta. Não importa, o que importa é que eu, passo todos os dias por aqui, para ver os garotos correndo, para ver o sol nascer, para ver as pessoas embarcando, para ver as flores nascendo, para ver as gotas disputando, para ver minhas lágrimas, para ver a grama, a linha, a plataforma; simplesmente para ver se assim, só assim, ele volta para mim.

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