quarta-feira, 31 de março de 2010

A confraria



Eu lembro que quando começaram as reuniões da confraria na casa da Thereza, minha mãe não me deixava assistir. Nunca entendi por que, já que ela alegava um motivo diferente a cada dia que eu implorava para ir: "Ai, Camilo, você não vai entender nada.", "Ai, Camilo, você vai falar besteira e vai atrapalhar", "Ai, Camilo, você vai querer vir embora.". De tanto ouvir "Ai Camilo..." acabei me conformando com as proibições e guardei o meu desejo.
A confraria sempre me pareceu uma seita secreta onde mulheres se reuniam pra falar de literatura. Algo bem como ABL mesmo. E foi logo após a morte de uma das confreiras que eu comecei a forçar a minha participação na seita. Não fui iniciado nas palavras e nem passei pelos ritos de escrita que elas passaram para entrar, comecei como xereta mesmo, como intruso. No fim elas viram que não tinha mais jeito e que eu não ia sair de lá...acabei ficando.
Não sou um confreiro e nem escrevo na confraria mas eu me divirto vendo aquelas mulheres falando com gosto do que leem, rindo do que é ridiculo, discutindo em defesa da palavra. Acho bonito, só.
Talvez se eu não tivesse gostado do que os meus pais me mostraram como bom eu não veria tanta beleza naquele grupo. Porque parece que todo dia nasce uma coisa nova ali na mesa, parece que o lápis ou o computador suga todas as ideias e brincadeiras que correm na cabeça dessas confreiras, e pra mim não tem como não ver beleza nisso.
Não sei porque teimo em permanecer assistindo as reuniões da confraria já que não consigo traduzir o real em palavras como elas. Mas talvez o gosto que eu peguei pela pavra escrita, cantada e falada tenha me prendido ali no meio das quatro.
Depois da paixão pelas palavras veio a paixão pelas quatro meninas. Também, seria quase impossível não me divertir com as histórias engraçadas da Mariana, com as palhaçadas da Vera, com as palavras caprichosas da Fernanda, com a cultura assustadora da Célia e com a revolução que minha mãe provoca. Uma revolução literária que começa dentro da gente, fazendo com que comecemos uma briga com aquilo que lemos e escrevemos, nos tornando mais chatos, fazendo passeatas contra os maus tratos à palavra e pondo no paredão todos aqueles que fingem ser maiores que a literatura. Uma revolução que todas ali fazem parte, uma revolução que aprendi no berço e que me tornou um militante junto à minha mãe. Eu me orgulho disso.

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