quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Papai sempre foi muito difícil. Uma dificuldade desconhecida, daquelas que pesquisadores ainda não conseguem entender. O ser-difícil dele foi transformando as pessoas que viviam junto dele, principalmente a pessoa que me pertence. Depois que conheci meu pai, como pai, decidi que não queria mais ter uma figura paterna; e esse desejo não se fazia por conta de castigos absurdos ou opiniões contraditórias, mas se fez pelo fato de que, na minha cabeça, filho não deve ter medo de pai. Eu tinha.
O medo que sentia do meu pai era algo grande, maior que o próprio Luiz. Nunca consegui superar aquele medo, só substituí por uma raiva. A raiva foi crescendo dentro de mim com o passar da poeira, veio lenta de início e quando eu percebi ela já tinha sobrepujado a grandeza do medo.
A raiva me fez viver um pai por obrigações: Ligava por obrigação, elogiava por obrigação, tudo me era obrigado, nada por prazer. Eu entendia que ele tinha lá seus problemas, mas ao invés de ajudar eu preferi viver por mais um tempo com a minha raiva, minha dor, meu medo, meu rancor...
De alguma forma papai criou uma ligação entre nós, mesmo deixando claro que eu era o menos querido. Essa ligação me fez perceber, e na hora certa, que estava chegando o momento em que ele precisaria partir para o Nosso Lar, debaixo da terra, Céu, Inferno, Paraíso, Nirvana, ou qualquer lugar do gênero. Eu sabia que ele tinha que morrer, tava na hora mesmo, senti com a mesma certeza que sinto que irei morrer antes de minha mãe.
Não entendo ainda a morte de papai, é complicado porque a diferença entre a distância dele e a morte são poucas. Ele sempre foi um pai de outro mundo, nunca próximo. Seu morrer só concretizou sua lonjura.
Depois que ele morreu não senti culpa, nem a raiva, nem o medo, nem mais nada. Só entendi que crescia uma pena enorme dentro de mim, uma pena boa, uma pena que iria consolar papai onde quer que ele fosse. A pena já deve estar com ele a essa altura...
Felicidade eu realmente só encontrei em horinhas que ele se descuidava, quando vivo; porque hoje sinto uma felicidade libertadora quase que culpada, por ter sido conquistada após a morte do meu quase e inteiro pai.
Já chorei tudo que tinha de chorar por todos os envolvidos no crime limpo suicída que foi a morte de papai. Já chorei demais. Agora só resolvi ficar cansado de sentir raiva ou medo das pessoas, é que realmente cansa. Agora a gente perdoa os erros e principalmente os acertos. Só entendi essa questão do perdão como substituição dos sentimentos que cansam, depois que soube que meu pai morreu sentindo orgulho de mim. Em sua última leitura, papai lia um artigo meu, só meu. Não conseguiu ler tudo e pediu para o irmão ler enquanto ele chorava de felicidade para esquecer a dor. O orgulho que eu sempre desejei ter no meio da minha imensa raiva, só veio depois de sua morte.
É que apesar dos pesares, por tudo que meu pai foi e fez, eu sempre quis, e continuo querendo, ser tão genial quanto ele. É que saber ser-difícil é coisa dos grandes...

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